…Ou ainda “não é justo uma pessoa
negra tirar a vaga do meu filho que é branco só por conta de sua cor”.
Em frases como essas e tantas
outras que ouvimos pessoalmente quando divulgamos, há sete anos, um artigo em
prol da reserva de cotas para vestibulares e concursos públicos, o que mais nos
chamou atenção, além do desconhecimento e do preconceito inerente nelas, foi o
“conceito” vulgar de justiça. Mas o que de fato é justo?
Antes de discorrermos sobre
justiça temos que entender a ideia de igualdade, uma vez que o assunto volta à
tona com o voto do ministro Ricardo Lewandowski, relator da Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental sobre a reserva de cotas, que foi
discutida no Supremo Tribunal Federal (STF).
Primeiro temos que perceber que não
é possível a aplicação de uma igualdade ou isonomia formal em todas as
situações para todas as pessoas. Por exemplo, se seguíssemos a risca a
disposição constitucional de que “todos são iguais perante a lei”, o
trabalhador brasileiro que ganhou um salário mínimo por mês teria que pagar uma
alíquota de 27,5% sobre seu módico salário de Imposto de Renda, no mesmo
patamar que paga o empresário Eike Batista, pessoa mais rica do Brasil. Isso
seria justo? Talvez a maioria das pessoas que leem isso afirme que não. Por
isso, cumprindo com a isonomia material, a própria lei isentou, no ano passado
(2011) as pessoas físicas que tiveram renda de até R$1.566,61 por mês.
Fila de banco e a reserva de cotas
Outro exemplo: ninguém sente
prazer, a menos que seja masoquista, em enfrentar filas de espera. O ideal
seria que nenhuma pessoa passasse mais de três minutos aguardando atendimento em
uma fila, mas hoje no Brasil somos submetidos a longas filas de espera de até
2h.
Quem mais sofre nesse caso, são
as pessoas que por sua condição pessoal estão em uma situação de desvantagem,
como o deficiente físico, a gestante, o idoso e a mãe com criança “de” colo. Convenhamos
que a criação legal do caixa preferencial, foi uma medida tomada para amenizar
o sofrimento dos que mais sofrem enquanto não chegarmos ao ideal de atendimento
das nações de primeiro mundo, ou seja, que ninguém fique mais de três minutos
em uma fila de espera.
O caixa preferencial é uma ação
afirmativa que visa corrigir uma distorção em face da condição especial de
algumas pessoas. Isso é justo? Apesar de a maioria das pessoas acreditarem que
sim, quem não presenciou algumas pessoas mesquinhas reclamando do atendimento
preferencial? Ou pior, alguma pessoa “normal” se beneficiando do caixa
preferencial? Quem acha que não deveria existir caixas preferenciais tem seu
senso de justiça distorcido pelo “preconceito implícito” contras pessoas
especiais.
Igualmente, a reserva de cotas para
negros e pardos em vestibulares e concursos é uma ação afirmativa que visa
amenizar as distorções históricas a que algumas raças foram submetidas. Isso é
justo? Antes de respondermos, considerando que mais da metade da população
brasileira é negra ou parda, consideremos apenas dois fatos:
Nunca houve na história
brasileira um Presidente da República negro ou pardo.
Não há Secretário de Estado,
Presidente do Tribunal de Justiça ou da Assembleia Legislativa de Alagoas negro
ou pardo.
Note que temos que fazer um
esforço muito grande para acharmos alguns nomes de destaque. Essa desigualdade se
deve a “falta de currículo” ou a um “preconceito implícito”? A resposta a essa pergunta
dependerá de dois fatores: da carga de preconceito e do senso de justiça de
cada leitor.
Lewandowski afirmou em seu voto
que “o reduzido número de negros e pardos que exercem cargos ou funções de
relevo em nossa sociedade, seja na esfera pública, seja na privada, resulta da
discriminação histórica que as sucessivas gerações de pessoas pertencentes a
esses grupos têm sofrido, ainda que na maior parte das vezes de forma camuflada
ou implícita. Os programas de ação afirmativa em sociedades em que isso ocorre,
entre as quais a nossa, são uma forma de compensar essa discriminação,
culturalmente arraigada, não raro praticada de forma inconsciente e à sombra de
um Estado complacente”.
Ainda há quem desvie do foco da
questão levantando questionamentos subjacentes:
“Eu conheço fulano que não era
negro e se declarou apenas para se beneficiar da reserva de cotas”. De fato não
há sistema perfeito, mais uma vez recorremos ao caso da fila de espera, quem
nunca viu alguém até manquejar para indevidamente se beneficiar do caixa
preferencial. Todavia, o “problema” não é do sistema, mas na atitude reprovável
do usuário.
Também ouvimos: “Eu conheço um
pessoa que, se não tivesse escolhido o sistema de reserva de cotas, teria sido
aprovado”. Repisamos, não há sistema perfeito. Por diversas vezes, já fomos
atendidos mais rápido no caixa convencional que no preferencial. Mas isso são
temas subjacentes à questão principal.
O argumento mais pífio é o do
partido DEM, de que não é possível a reserva de cotas em vestibulares porque
não há critério científico para determinar quem é negro ou pardo. Grandes Advogados
teriam vergonha de subscrever uma argumentação dessa, haja vista que raça não é
critério científico e sim cultural. A prova maior disso é que a recente decisão
em prol da reserva de cotas do STF foi unânime, não há argumentos jurídicos
sérios para não aceitar a constitucionalidade da reserva de cotas.
Prezado leitor de toda etnia, anelamos
que chegue o dia em que haja uma ampliação do acesso ao nível superior e
agilidade na prestação dos serviços para que não necessitemos de ações
afirmativas, isso seria a efetivação da democracia, mas enquanto esse tempo não
chega, essas ações são indispensáveis para o equilíbrio das mais diversas
situações, mantendo vivos os ideais de justiça. Por isso, o STF está de
parabéns por ter decidido pela constitucionalidade do sistema de reserva de
cotas em universidades públicas para negros e pardos.
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