Não sou digno de ser chamado apóstolo
S. Paulo (1 Co 15.9)
No mês passado fui indagado por um colega de trabalho durante a exibição de um programa de uma igreja que arrendou toda a programação da repetidora do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) aqui em Alagoas: “Onde se arranjar o título de apóstolo?”.
Ao perceber o seu tom sarcástico, imediatamente respondi que no mesmo lugar onde se arranja o título de vicarius filli dei, fazendo uma alusão a um dos títulos, nem um pouco humilde, do papado. Depois do episódio, meditei um pouco mais sobre o assunto.
Recentemente, alguns líderes, em especial das igrejas neopentecostais, têm adotado o título de apóstolo e criticado as tradicionais, que em seus estatutos tem a denominação presidente e às vezes bispo. E agora, é mais bíblico chamarmos o “pastor de pastores” de presidente, bispo ou apóstolo?
Presidente[1] só aparece no Antigo Testamento, em especial do livro de Daniel (6.7) ligados a cargos políticos e não cargos eclesiásticos. No Novo Testamento só há uma referência, mas é ao dom da presidência: “o que preside, com cuidado” (Rm 12.8). Na igreja neotestamentária há diversas referências nas Epístolas aos bispos (Fp 1.1; 1Tm 3.1,2,6,7; Tt 1.7). Mas são setenta e seis ocorrências na Almeida Revista e Corrigida do termo apóstolo, nos Evangelhos, em Atos e nas Epístolas.
O texto áureo dos que adotam o apostolado atual é Efésios 4:1: “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores,” denotando-nos que os títulos para a igreja neo-testamentária são apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e doutores.
Todavia, segundo adverte Russell Shedd[2], um dos maiores pensadores da igreja na atualidade:
O problema é o significado desta palavra. [Apóstolo] significa o que tem plena autoridade da pessoa que lhe enviou. Apóstolo é enviado. Portanto quando Paulo diz: ‘Eu sou apóstolo de Jesus Cristo’, ele está dizendo, que tem autoridade para falar em nome de Cristo. Então, qualquer pessoa, hoje, que se intitula apóstolo está se colocando na posição do Papa. Está falando no lugar de Cristo. Já que esta não é a ideia que alguns destes apóstolos têm, talvez não tenham estudado o significado da palavra.
Neste sentido, penso que paira um ar de jactância se intitular apóstolo, vicarius filli dei ou até mesmo presidente, haja vista que após os Apóstolos, inclusive São Paulo, ninguém tem autoridade de complementar o cânon sagrado, porquanto está consumado.
Por outro lado, o termo apóstolo tem uma segunda acepção, o sentido que Paulo se refere ao líder da igreja em Filipos (Fp 2.25): “Julguei, contudo, necessário mandar-vos Epafrodito, meu irmão, e cooperador, e companheiro nos combates, e vosso enviado para prover às minhas necessidades”. Logo, apóstolo ou enviado, neste segundo sentido, é uma pessoa que tem autoridade para falar em nome da igreja que são responsáveis ou que fundaram, mas não de toda igreja de Cristo.
Nessa segunda acepção o Pr. Silas Malafaia[3] afirma:
Apóstolo é aquele que vem para a base, é o desbravador, o que estabelece a base da Igreja. E esses apóstolos que temos ai? Qual é a deles? É tudo pescador de aquário dos outros. Estão com a Igreja cheia de membros das Igrejas dos outros e ficam pregando em grandes centros. E tem outra coisa: se são apóstolos têm que entregar a direção de suas igrejas. O verdadeiro apóstolo é o que rompe, estabelece a igreja e vai embora. Ah, para com essa brincadeira. É uma insensatez, um modismo barato. Apóstolo no Brasil, e uma função hierárquica. O camarada era pastor, se intitulou bispo, depois tem que ter um título maior. Só falta querer ser vice-Deus, do jeito que vai.
Além do mais, creio que se somos seguidores de Cristo, temos que seguir os passos do Mestre na Sua simplicidade e humildade, que mesmo sendo o cabeça da Igreja Universal nunca se denominou presidente, mesmo sendo enviado de Deus e fundador da Sua própria Igreja, nunca se denominou apóstolo. Muito pelo contrário, mesmo sendo o Sumo Pastor (1 Pe 5.4) Ele simplesmente afirmou. “Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido” (Jo 10.14).
Verdadeiramente, mesmo se galgarmos a posição eclesiástica mais elevada aqui na terra, o mais importante é ter as características do verdadeiro líder: inculpáveis, fiéis, moderados, prudentes, simples, hospitaleiros, ensinadores, maturos, respeitáveis, humildes, longânimos, pacíficos, abstêmios – “não chegado ao vinho” (1 Tm 1.3,2,6,7; Tt 1.7). Percebe-se porque estão preferindo os presunçosos títulos a ter a alma do verdadeiro líder, pois é mais fácil ter aqueles do que esta.
NOTAS
[1] Tradicionalmente se adota essa denominação, porque até antes da vigência do Código Civil de 2002, Igreja tinha natureza jurídica de associação e, consequentemente, era obrigada por lei a formar uma diretoria com presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro para representar juridicamente seus liderados.
[2] Em entrevista disponível em: http://noticias.gospelmais.com.br/quer-prosperidade-entao-deve-pedir-um-cancer-a-deus-diz-estudioso-evangelico.html
[3] Entrevista concedida a Revista Eclésia nº 73. Ano VII. Disponível em: http://fabiozine.blogspot.com/2009/09/entrevista-com-silas-malafaia.html